O CAMPO DE TRESONTONTE

O CAMPO DE TRESONTONTE

O CAMPO DE TRESONTONTE

Meus bisavôs e bisavós estão mortos, como deveriam, pois se vivos estivessem estariam hoje com quase duzentos anos, e o campo deles também morreu.

As carreteadas, que levavam para as estâncias seus telhados de lata ferro, sal grosso para entreverar com farinha de osso para dar ao gado, as tropas largas com faturas de boi gordo para as charqueadas, comparsas de changueiros para quebrar milho nas lavouras plantadas a casco de boi. A casa grande da estância povoada com a família e o rancherio na volta fechando o pátio interno com quartos de copeira e cozinheira, o galpão com capataz, sota, caseiro, domador e campeiros, o mate madrugador que se tomava à luz de candeeiro, a paleta e costela de capão para churrasquear antes de sair para o campo; o chasque e as notícias bem de longe, que quando chegavam já estavam velhas, o serigote, o espadim, as escaramuças por sustentar sobrenomes; pilhetas de quebrar sarna com sulfocal, poço de balde e o mais precioso: o tempo… O tempo sempre de sobra!

O CAMPO DE ONTONTE

Dos meus quatro troncos, somente uma avó está viva. Luz de lamparina que aos poucos perde o lume, tal qual o campo de ontonte que se apagando quase não enxergo.

O bonde que fazia a linha, levando e trazendo gente, o rádio de pilha com os avisos do meio dia, as mesmas tropas largas só que para o frigorífico, o trator no arranque da coxilha com o dínamo pifado, a sede da estância a mesma, mas já com seus campos divididos por dois, três ou quatro, as estanzuelas formadas foram dividindo também a peonada, o sota virou capataz de uma fração, os campeiros se apartaram e domador virou domador dos potros que sobraram. As manadas se desmancharam para dar lugar ao boi. O serigote foi para o museu junto com o espadim, o rebanho atirado nos “modernos” banhos contra a sarna, o mesmo poço e o tempo, o tempo… Que começou a se escassear!

O CAMPO DE ONTEM

Vivos meus pais estão, mas sem o mesmo vigor de ontem, e o campo da mesma forma seguiu mudando, pelechando mais a cada verão.

A caminhonete diesel, com sua viagem semanal costumeira, a luz elétrica, o rádio transmissor que chamava para a estância todos os dias sabendo das notícias, a antena parabólica, os carregamentos de boi nos caminhões chegando de madrugada para pesar e carregar, pois o frigorífico já não era mais em nossa cidade, o Armour ficou “grande demais” e fechou. A estância ganhou iluminação, aparelhos elétricos, geladeira, freezer. A cozinheira perdeu a patroa para a casa da cidade, com mais uma divisão de campo, bastava o capataz e mais um, já não muito campero, domador ficou sem potros, mas mesmo assim sobravam cavalos bons para o basto campero, o rebanho grande se terminou, ficou somente uma pontita para consumo, pois o tal ”sintético” tomou conta do mercado e a lã perdeu seu valor, o poço com bomba elétrica quase não dava vencimento e o tempo, o tempo… Sim se parou de fato curto!

O CAMPO DE HOJE

Este é o que nos toca, empresários rurais, com toda tecnologia à disposição, o campo dinâmico com planilhas, custos de produção e cotações. Mas com sua tradição e história agonizando como um paciente em fase terminal.

A caminhonete de tanto que se troca já ninguém na vizinhança conhece, telefones celulares que mais estorvam do que ajudam, pois passam o dia inteiro tocando vaneirinhas nos ouvidos dos pobres peonzitos que a prepo estão aprendendo a falar um “ïngres” para poderem “twitar”, “blogar” e outras porcarias destas. Os carregamentos de boi dependem sempre da boa vontade dos Alcapones da carne que são bem capangueados pelos corretores que se dizem “crioulos” e “amigos” dos produtores. Cozinheira de campanha é coisa rara, pois com tanta bolsa do governo, preferem ficar parindo pobreza na cidade a ir trabalhar em campanha. Capataz somente algum viejo que ainda não se aposentou, domador agora em centro de treinamento na volta da cidade, a ovinocultura segue peleando para não morrer, o poço secou e o tempo, o tempo… Com a globalização sumiu!

Com este tema arranco uma série de artigos, fragmentos do campo, pago frontero, observações sem máscaras nem maquiagens, o campo como vejo com meus olhos de poeta, campero, técnico, produtor e loco.

Rogerio Ávila

Manaus, não sei que lua é (tão pouco me importa), 06 de fevereiro de 2012.

http://radiosulnet.ning.com/rogerio-avila-textos1

Um Canto para Martin Fierro 2012 – TRIAGEM